FINANCIAMENTO CLIMÁTICO: A rota de US$ 1,3 trilhões da COP30



O Contexto Global e a Ambição Brasileira

A 30ª Conferência das Partes da Convenção do Clima da ONU (COP 30) em Belém, no Pará possui a missão de mobilizar recursos na escala necessária para que os países em desenvolvimento enfrentem a crise climática — estima-se que esse valor deva chegar a US$ 1,3 trilhão por ano até 2035.

A iniciativa "Rota de Baku a Belém: rumo ao US$ 1,3 trilhão" surgiu em resposta direta à decisão da COP 29, realizada em Baku, no Azerbaijão que estabeleceu uma nova meta coletiva de financiamento climático de US$ 300 bilhões anuais até 2035 — valor que, embora significativo, ficou muito abaixo das necessidades reais identificadas pelos especialistas.

A Grande Lacuna: Entre o Prometido e o Necessário

O Grupo Independente de Especialistas de Alto Nível em Financiamento Climático (IHLEG) apresenta números que revelam a verdadeira dimensão do desafio. Segundo suas estimativas, os países em desenvolvimento, exceto a China, precisarão de pelo menos US$ 2,7 trilhões anuais até 2030 para cumprir seus compromissos climáticos e ambientais. Desse total, US$ 1,3 trilhão deveriam vir de fontes externas — ou seja, de financiamento internacional. Assim, os US$ 1,3 trilhão se consolidam como uma referência muito mais realista das necessidades de financiamento internacional até 2035.

Não surpreende, portanto, que a decisão anunciada na COP 29 tenha sido recebida com profunda frustração pelos países do Sul Global. A crítica vai além do volume insuficiente de recursos. O problema também está na forma como a responsabilidade foi diluída: ao invés de se restringir aos países desenvolvidos — historicamente os maiores responsáveis pela crise climática — a decisão inclui uma "ampla variedade de fontes" que abrange recursos públicos, privados, bilaterais e multilaterais, além de encorajar que países em desenvolvimento contribuam voluntariamente para o financiamento.

Essa abordagem, articulada principalmente pelos países ricos e mirando especialmente a China (classificada como país em desenvolvimento, mas com grande peso industrial e emissões elevadas), colide frontalmente com um dos princípios fundamentais da governança climática global: o das "responsabilidades comuns, porém diferenciadas", estabelecido na Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Esse princípio reconhece que, embora todos os países devam agir, o Norte Global — por sua dívida ecológica e climática histórica — deve liderar o enfrentamento da crise, priorizando o apoio aos países mais vulneráveis.

Múltiplas Fontes para um Desafio Trilionário

A iniciativa "Rota de Baku a Belém" propõe uma estratégia abrangente para impulsionar um aumento substancial do financiamento climático, mobilizando recursos a partir de diferentes fontes. Isso inclui financiamento bilateral (entre países), multilateral (por meio de bancos de desenvolvimento e fundos climáticos), capital privado mobilizado por recursos públicos e, crucialmente, "fontes alternativas" como tributos internacionais.

Diante da lentidão do financiamento tradicional, até mesmo países do Sul Global, incluindo o Brasil, têm proposto mecanismos inovadores e alternativos. Entre eles estão o fortalecimento de bancos de desenvolvimento multilaterais como o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), o combate efetivo à evasão e elisão fiscal internacional, e a implementação de tributos sobre corporações transnacionais e grandes fortunas. O Brasil pode se beneficiar de sua atuação recente no G20, onde colocou em pauta temas como a taxação de super-ricos e do transporte marítimo internacional.

A ideia central é que as presidências da COP 29 e da COP 30 atuem de forma coordenada e articulada para identificar caminhos viáveis que permitam elevar o financiamento climático da ordem de bilhões para trilhões de dólares. Mas isso exigirá muito mais do que promessas e compromissos de papel — a COP 30 terá o desafio concreto de transformar essa rota em uma agenda prática e executável, capaz de gerar recursos em tempo hábil e de forma justa.

O Papel Estratégico do BRICS

Nesse esforço global, a presidência brasileira do BRICS desempenha um papel estratégico fundamental. Em 28 de maio de 2025, os vice-ministros dos países do grupo aprovaram uma Declaração-Quadro sobre Financiamento Climático que será levada aos chefes de Estado. Trata-se do primeiro documento conjunto do BRICS voltado exclusivamente para essa agenda, marcando um posicionamento coordenado das principais economias emergentes.

A proposta defende ações coordenadas entre os países do bloco para ampliar o acesso a financiamento climático em todo o Sul Global. Isso inclui reformas estruturais nos bancos multilaterais de desenvolvimento, ampliação significativa do crédito concessional (aquele oferecido com juros baixos e prazos longos de pagamento), maior mobilização de capital privado e a adoção de medidas regulatórias que facilitem o fluxo de recursos para projetos climáticos.

Outro destaque importante é a proposta brasileira do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), apresentado originalmente pelo Brasil na COP 28, realizada em Dubai, nos Emirados Árabes, em 2023. Essa iniciativa inovadora pretende mobilizar investimentos privados para remunerar países tropicais que mantêm suas florestas em pé, incentivando a conservação e o combate ao desmatamento. A expectativa é que o fundo constitua um mecanismo revolucionário de financiamento climático baseado na valorização da floresta viva, operando de forma independente do mercado de carbono regulado e com potencial de captar até US$ 125 bilhões.

Justiça Climática: Muito Além dos Números

No entanto, o debate sobre financiamento climático precisa ir muito além dos números e das cifras trilionárias. Não basta discutir quanto dinheiro será mobilizado e de onde virão os recursos — é absolutamente necessário perguntar como, para quê e, especialmente, para quem esses recursos serão destinados. A justiça climática deve ser o princípio orientador dessas decisões fundamentais.

Afinal, embora a crise climática seja um fenômeno global, seus impactos são profundamente desiguais. As consequências mais graves recaem com muito mais força sobre populações e países que menos contribuíram para causar o problema. Muitas vezes, essas mesmas populações também ficam de fora das soluções propostas, que frequentemente não levam em conta suas realidades, necessidades e conhecimentos tradicionais.

Alcançar a justiça climática exige enfrentar desigualdades estruturais profundamente enraizadas e criar mecanismos efetivos de reparação histórica, redistribuição de recursos e acesso democrático ao financiamento. Isso passa necessariamente por políticas que garantam a transferência de tecnologias socioambientalmente adequadas (e não apenas qualquer tecnologia), a criação de fundos comunitários que permitam a gestão local dos recursos, e a implementação de sistemas de tributação internacional verdadeiramente justos.

A transição energética, o financiamento climático e a justiça climática devem caminhar juntos, de forma indissociável. Isso exige debates qualificados e aprofundados não apenas sobre as fontes dos recursos e os instrumentos financeiros utilizados, mas também sobre seus destinos finais e, fundamentalmente, sobre quem tem poder para administrá-los e tomar decisões sobre seu uso.

A Inflexão Necessária na COP 30

A COP 30 deve marcar uma inflexão fundamental no debate climático global. Menos centrada na formulação abstrata de compromissos e metas globais (embora os países ainda precisem apresentar suas Contribuições Nacionalmente Determinadas - NDCs), a conferência precisa se voltar muito mais para a criação de condições financeiras concretas e viáveis que permitam efetivamente implementar esses compromissos.

Entre os obstáculos mais críticos que precisam ser superados estão a ausência persistente de consenso entre países desenvolvidos e em desenvolvimento sobre responsabilidades e contribuições, e a enorme dificuldade de financiar projetos de longo prazo em áreas estratégicas como energia limpa, agricultura regenerativa, adaptação climática e infraestrutura resiliente. Além disso, os mercados emergentes enfrentam desafios específicos, estando muito mais expostos a riscos de crédito, volatilidade cambial e restrições fiscais que dificultam a atração de capital privado internacional.

A mitigação das emissões e a adaptação às mudanças climáticas simplesmente não avançarão sem um redesenho profundo e estrutural dos mecanismos globais de financiamento. Em 2025, esse tema se torna o verdadeiro cerne das negociações multilaterais, ocupando o centro do palco nas discussões internacionais.

O Plano Brasileiro de Transformação Ecológica

O Brasil tem buscado estruturar uma agenda financeira e regulatória abrangente que responda a esses desafios complexos. O Plano de Transformação Ecológica – Novo Brasil, lançado pelo Ministério da Fazenda, constitui o arcabouço para integrar de forma harmônica crescimento econômico, transição climática e inclusão social. O plano, que completou dois anos em 2025, está organizado em torno de seis grandes eixos estruturantes: finanças sustentáveis, adensamento tecnológico, bioeconomia e sistemas agroalimentares, transição energética, economia circular e nova estrutura verde e adaptação.

Dentro do eixo de finanças sustentáveis, destacam-se diversos instrumentos inovadores. O Fundo Clima foi fortalecido e ampliado. O programa Eco Invest Brasil, desenvolvido em parceria estratégica com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o governo brasileiro, busca especificamente mitigar os riscos cambiais que afastam investidores estrangeiros e atrair capital privado internacional para projetos de longo prazo — desde geração de energia renovável até soluções baseadas na natureza. Entre os mecanismos utilizados estão operações de blended finance, que combinam recursos públicos, privados e filantrópicos para reduzir os riscos percebidos pelos investidores, e que começam a ganhar espaço como instrumentos viáveis de escala.

Também merecem destaque a emissão de títulos soberanos verdes pelo governo brasileiro, que tem atraído interesse crescente de investidores internacionais, e a preparação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), que estabelecerá um mercado regulado de carbono no país. Outra aliada de peso é a Taxonomia Sustentável Brasileira, cujos cadernos técnicos foram recentemente aprovados. Esses documentos estabelecem critérios claros e rigorosos para classificar atividades econômicas de acordo com seus impactos socioambientais e climáticos, permitindo que investidores identifiquem quais projetos e empresas realmente contribuem para a sustentabilidade. Os documentos estão em processo de revisão final para publicação em breve, e em seguida serão trabalhados pelos respectivos órgãos reguladores setoriais.

O Panorama dos Fluxos Financeiros no Brasil

O relatório do Climate Policy Initiative (CPI) em parceria com a PUC-Rio revelou dados animadores sobre a evolução recente do financiamento climático no país. Houve um salto significativo nos fluxos de financiamento climático internacional para o Brasil entre 2021 e 2022, com crescimento impressionante de 84% em relação ao biênio anterior, atingindo cerca de R$ 26,6 bilhões por ano. Essa taxa é muito superior ao aumento global de 28% registrado no mesmo período, mostrando que o Brasil tem conseguido atrair uma parcela crescente dos recursos internacionais disponíveis.

O crescimento foi liderado pelo setor de energia limpa, que obteve um aumento excepcional de 165% nos recursos destinados à geração solar e eólica, refletindo o amadurecimento dessas tecnologias no país e a crescente competitividade de projetos renováveis. 

Ainda assim, uma análise mais detalhada revela uma assimetria setorial preocupante que precisa ser corrigida. O setor de energia responde por 53% de todos os recursos captados, enquanto o setor de uso da terra (conhecido pela sigla AFOLU, que inclui agricultura, florestas e outros usos), que representa a maior parcela das emissões nacionais de gases de efeito estufa, recebe apenas 11% do financiamento.

A situação é ainda mais crítica quando olhamos especificamente para projetos florestais. Apesar de serem absolutamente estratégicos para o cumprimento das NDCs brasileiras e para a imagem internacional do país, esses projetos captam apenas 2% do total de recursos, embora representem impressionantes 41% das doações internacionais recebidas. Essa lacuna gritante sinaliza tanto a urgência quanto a grande oportunidade de reequilibrar os fluxos de capital, direcionando mais recursos para soluções baseadas na natureza que aproveitam as vantagens comparativas do Brasil.

O Potencial Transformador das Florestas

É justamente nesse contexto que ganha importância o potencial econômico da restauração e conservação florestal. A Climate Advisers Initiative, por meio de seu relatório Orbitas, apresenta projeções impressionantes sobre o valor econômico das florestas brasileiras. A iniciativa estima que, nos próximos 30 anos, a restauração florestal em larga escala de pastagens degradadas no Brasil pode gerar até US$ 141 bilhões em valor econômico agregado, além de criar mais de 350 mil empregos em tempo integral anualmente — um impacto social e econômico transformador para diversas regiões do país.

Ainda de acordo com o relatório, sob as condições adequadas de políticas públicas, incentivos econômicos e governança, as florestas e a biodiversidade podem ser restauradas em quase 60 milhões de hectares — uma área equivalente ao território inteiro da França. O relatório enfatiza que "esses resultados estão ao nosso alcance, mas somente se os setores público e privado do Brasil agirem rapidamente", destacando a janela de oportunidade que se abre, mas também a urgência de não perdê-la por inação ou hesitação.



As presidências da COP29 (Azerbaijão, 2024) e da COP30 (Brasil, 2025) que se inicia na próxima semana divulgaram o Roteiro Baku-Belém. 


Elaborado a partir de mais de duzentas contribuições de governos, organismos internacionais, sociedade civil e setor privado, o documento parte da constatação de que os recursos existem, mas que sua canalização exigirá uma profunda reorganização do sistema financeiro global e a criação de mecanismos inovadores de financiamento climático. O texto estrutura-se em cinco frentes principais — reforço de doações e financiamentos concessionais; reequilíbrio do espaço fiscal e das dívidas; redirecionamento de capital privado; reformulação de capacidades e coordenação; e reestruturação do sistema financeiro — articuladas a temas prioritários como adaptação, perdas e danos, energia limpa, natureza e agricultura sustentável.

A iniciativa Baku-Belém, portanto, funciona como um mapa do caminho para escalar o financiamento climático global, oferecendo 15 medidas de curto prazo e diretrizes para os próximos dez anos, embora não seja um documento negociado nem sujeito à aprovação formal na COP30. Sua principal mensagem é a de que alcançar a cifra de US$ 1,3 trilhão é viável e urgente — mas depende de vontade política, coordenação multilateral e transparência na execução dos compromissos. O texto foi recebido com otimismo cauteloso pela sociedade civil: reconhece-se o avanço na definição de metas concretas, mas persiste a preocupação com a falta de clareza sobre o que realmente constitui financiamento climático efetivo e sobre a necessidade de priorizar doações e créditos concessionais, sem ampliar o endividamento dos países do Sul Global.



Referências:


Report: https://gruporeport.com.br/financiamento-climatico-cop30/

The Conversation: https://theconversation.com/de-baku-a-belem-a-presidencia-brasileira-dos-brics-e-os-caminhos-para-financiar-a-justica-climatica-258672

Climainfo:  https://climainfo.org.br/2025/06/23/rumo-a-cop30-brasil-apresenta-plano-para-financiamento-climatico/

Exame: https://exame.com/bussola/gestao-sustentavel-de-baku-a-belem-como-tirar-us-13-trilhao-do-papel/

Infoamazonia: https://infoamazonia.org/2024/12/18/de-baku-a-belem-5-temas-da-cop29-que-serao-desafios-ou-oportunidades-para-a-cop30/

Gov.br: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/transformacao-ecologica/conheca-o-plano-de-transformacao-ecologica


Artigo:  Maria Júlia Maciel, advogada em Pires Advogados.



 

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