O que o desfecho da COP 27 tem a dizer sobre o futuro da litigância climática?


No ano em que a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) completa 30 anos de promulgação, seus membros se reuniram entre os dias 7 a 18 de novembro para a Conferência das Partes — também conhecida como “COP” (Conference of the Parties) — a qual acontece anualmente e teve sua 27ª edição sediada em Sharm-el-Sheik, no Egito.

Sendo essa a instância deliberativa da Convenção do Clima, não é nenhuma surpresa que toda a comunidade interessada no debate relativo à agenda climática volte o seu olhar para esse período de intensas negociações. Ao longo desses dias, temas atinentes a estratégias de descarbonização, agricultura sustentável, segurança energética e financiamento estiveram no centro das discussões conduzidas por lideranças de todo o planeta. 

As articulações multissetoriais empreendidas no evento resultaram num pacote de decisões que trouxe novidades significativas, como a criação de um fundo para perdas e danos destinado aos países mais afetados pelas mudanças climáticas, com a finalidade de ajudá-los a enfrentar os desastres socioambientais advindos desse cenário. Por outro lado, o referido documento demonstrou certa estagnação quanto à implementação de táticas mitigadoras do aquecimento global, haja vista a falta de consenso para estabelecer medidas concretas e viabilizadoras da ambição do Acordo de Paris em manter o aumento da temperatura abaixo de 1,5°C.

Concluída a conferência, se faz necessário refletir sobre como esses adventos impactam a esfera jurisdicional, uma vez que as deliberações que ocorrem nas COPs dão o tom dos argumentos trazidos aos tribunais em litígios climáticos. Sendo assim, com um desfecho predominantemente marcado pela inércia e a falta de uma atitude incisiva dos Estados, a COP 27 e seus resultados — ou a falta deles — podem intensificar as pressões para que uma postura mais enérgica seja adotada pelo poder judiciário ao redor do mundo. 

Conforme se tem percebido, a morosidade dos agentes políticos em tomar providências para a reversão do aumento da temperatura abre espaço para reivindicações de atores da sociedade civil engajados na luta pela estabilização do clima. É nesse contexto que a litigância climática desponta como uma alternativa de reação a essa inércia, caracterizando-se como o conjunto de ações judiciais e administrativas que objetivam a mitigação dos riscos e danos relacionados às mudanças do clima, podendo englobar a contenção de emissões antropogênicas de gases poluentes e a preservação de áreas responsáveis pelo sequestro de carbono.

Embora empresas também possam figurar no polo passivo de tais litígios, as demandas ajuizadas contra Estados costumam ter objetivos mais ambiciosos, cujo provimento judicial pode desenvolver argumentos e posições inovadoras, com potencial de alteração de entendimentos já consolidados pela doutrina e jurisprudência. Sendo assim, são caracterizados como “litígios estratégicos” aqueles cuja propositura tende a avançar com uma pauta específica, chamando a atenção da sociedade para um problema e visando pressionar os governos a analisar a temática com mais atenção.

A respeito do que dispôs o pacote de decisões da COP 27 sobre a compensação de perdas e danos causadas por emissões de gases de efeito estufa (GEE), os desdobramentos de como isso irá se operar ainda são muito incertos. Isso porque o relatório final da conferência não discrimina de forma categórica quem seriam os financiadores e os beneficiários do fundo que se pretende instituir. Sendo assim, caso essa imprecisão resulte na insuficiência de financiamento, é provável que os sujeitos afetados pelas mudanças climáticas busquem ser indenizados por meio da prestação jurisdicional.

Diante de uma conferência que se encerrou com mais perguntas do que respostas, aqueles que desejavam medidas mais contundentes dos membros da UNFCCC poderão buscar outros meios de se fazerem ouvir. O âmbito forense poderá ser o espaço escolhido para tanto, considerando o crescente número de processos relativos à justiça climática que vêm sendo ajuizados.

A título ilustrativo, um relatório recente do Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment aponta que a quantidade cumulativa de casos relacionados à mudança climática ao redor do mundo cresceu mais que o dobro desde 2015, elevando o número total de casos para mais de 2 mil. Seguindo essa toada, é possível que as respostas para os assuntos não esclarecidos em Sharm-el-Sheik sejam colhidas na via judicial, e os tribunais devem estar preparados para o desafio que os espera. 

Texto: Júlia Gusmão, estagiária em Pires Advogados e Consultores.

Revisão: Sandra Pires, sócia e advogada em Pires Advogados e Consultores.

Referências:

¹ UNFCCC. COP27 Reaches Breakthrough Agreement on New “Loss and Damage” Fund for Vulnerable Countries. Disponível em: https://unfccc.int/news/cop27-reaches-breakthrough-agreement-on-new-loss-and-damage-fund-for-vulnerable-countries. Acesso em: Acesso em: 28 nov. 2022.

² NAÇÕES UNIDAS. Acordo de Paris. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/node/88191. Acesso em: 28 nov. 2022.

³ NUSDEO, Ana M. O. Litigância e governança climática. Possíveis impactos e implicações. In: SETZER, Joana; CUNHA, Kamyla; FABBRI, Amália Botter. Litigância climática: novas fronteiras para o direito ambiental no Brasil. Thomson Reuters, Revista dos Tribunais, 2019, p. 148.

4 SETZER, Joana;  HIGHAM, Catherine. Global Trends in Climate Change Litigation: 2022 Snapshot. Londres: Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment and Centre for Climate Change Economics and Policy, London School of Economics and Political Science. Disponível em: www.lse.ac.uk/granthaminstitute/publications-global-trends-in-climate-changelitigation-2022. Acesso em: 28 nov. 2022.



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