Superação de Restrições Ambientais em Projetos Imobiliários e Turísticos

 



O desenvolvimento de empreendimentos imobiliários e turísticos no Brasil está sujeito a um cenário jurídico em constante evolução. A superveniência de normas ambientais e urbanísticas mais restritivas pode impactar significativamente a viabilidade e a segurança jurídica desses projetos. Diante disso, torna-se indispensável uma abordagem estratégica, ancorada em fundamentos legais sólidos e na atuação preventiva.

Em casos nos quais o projeto se encontra aprovado e licenciado, mas ainda não implantado, é fundamental atentar para o prazo de vigência da licença de construção. A jurisprudência e a doutrina são claras ao estabelecer que, uma vez expirado esse prazo sem o início da obra, a licença caduca e as prerrogativas dela decorrentes deixam de existir. Caso sobrevenha legislação mais restritiva, o direito de construir deixa de ser concreto, tornando-se mera expectativa de direito. O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, firmou entendimento por meio da Súmula 613 de que não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em matéria ambiental, impedindo a validação de obras realizadas em desconformidade com nova legislação, ainda que licenciadas anteriormente.

Quando se trata de projetos já implantados em áreas afetadas por Unidades de Conservação (UCs), a legislação ambiental, especialmente a Lei nº 9.985/2000, estabelece que o Plano de Manejo da unidade prevalece sobre as demais normas incidentes. Mesmo em propriedades privadas inseridas em UCs, os regulamentos definidos pelo Plano de Manejo impõem limitações obrigatórias, em consonância com os objetivos de preservação da unidade. Isso reforça a importância da compatibilização contínua do empreendimento com os parâmetros ambientais vigentes.

Outro ponto de atenção recai sobre situações em que o Plano Diretor municipal está desatualizado. A existência de normas supervenientes mais permissivas não autoriza, automaticamente, o avanço de empreendimentos com base em critérios flexibilizados. Em diversos estados, o Ministério Público tem recomendado a suspensão da emissão de licenças urbanísticas e ambientais até que ocorra a devida revisão do Plano Diretor, visando preservar a coerência entre os instrumentos de planejamento urbano e as autorizações concedidas pela administração pública.

Quanto a grandes projetos imobiliários com masterplan e EIA/RIMA – Estudo e Relatório de Impacto Ambiental previamente aprovados e licenciados, a exemplo de comunidades planejadas, é necessário destacar que uma legislação urbanística posterior mais permissiva não implica ampliação automática do direito de construir em desconformidade com os parâmetros estabelecidos, anteriormente, pelo licenciamento ambiental. As futuras licenças de instalação dos diversos imóveis a serem construídos, obrigatoriamente, não poderão divergir do projeto original aprovado na licença prévia

Nestes casos, a alternativa seria modificar o masterplan para se adequar aos novos parâmetros urbanísticos, realizar novo EIA/RIMA, consultar a comunidade residente e do entorno mediante audiência pública, e obter novo licenciamento ambiental. Isso somente será possível se não resultar em retrocesso ambiental. O princípio da não regressão ambiental, reconhecido no ordenamento jurídico brasileiro e reafirmado por decisões do Superior Tribunal de Justiça, impõe que os avanços em matéria de proteção ambiental e qualidade de vida urbana não podem ser anulados por decisões normativas futuras. Esse princípio também se aplica à revisão dos próprios instrumentos aprovados, como forma de resguardar o equilíbrio ecológico e os direitos das gerações futuras.

Em síntese, o licenciamento ambiental e urbanístico exige não apenas rigor técnico, mas também visão estratégica. A segurança jurídica de empreendimentos imobiliários e turísticos depende da antecipação de riscos legais, da compreensão das dinâmicas normativas e da observância dos princípios constitucionais e infraconstitucionais aplicáveis à matéria. A atuação jurídica preventiva, integrada ao planejamento técnico e à governança ambiental, constitui o caminho mais seguro para garantir a viabilidade dos projetos e a conformidade legal de longo prazo.


Texto: Ivon Pires, sócio diretor em Pires Advogados


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