Aspectos históricos acerca da dominialidade pernambucana do Arquipélago de Fernando de Noronha

 



Com a recente Ação Originária proposta pela AGU perante o STF, o domínio desse santuário natural tornou-se objeto de uma disputa judicial que pretende atribuir plenamente a titularidade do local à União.

Apesar de conflitos políticos terem vindo à tona, é consabido que Fernando de Noronha é constitucionalmente caracterizado enquanto distrito estadual. Mas, afinal, de onde surge tão forte vinculação entre o arquipélago e o estado de Pernambuco?

A resposta para tal questionamento remonta à época do Brasil Colônia. Ainda no ano de 1504, a localidade havia sido doada pela Coroa Portuguesa para Fernão de Loronha e, desde então, passou a ser conhecida pelo nome do seu primeiro senhor.

Contudo, sua extensão territorial permaneceu inexplorada até a década de 1560, chegando a sofrer constantes invasões de ingleses, franceses e holandeses nas décadas seguintes. Ao longo dessa trajetória, a participação pernambucana foi imprescindível para manter o arquipélago dentro dos eixos da soberania brasileira.

Explica-se. A mais longa invasão durou 25 anos e ficou a cargo dos holandeses, os quais foram expulsos graças a operações orquestradas duas vezes pelo governo da capitania de Pernambuco, nos anos de 1630 e 1654.

Destaca-se, ainda, que as primeiras providências para o povoamento e fortificação da ilha principal ocorreram em 1696, por iniciativa do então governador de Pernambuco e da Câmara Municipal do Recife.

Reconhecendo essa estreita ligação histórica entre o arquipélago e os pernambucanos, o território foi anexado à Capitania de Pernambuco por meio de Carta Régia em 1700.

Ainda assim, a ilha foi invadida em 1736 por tropas francesas que passaram a denominar o local como Isle Dauphine. O tempo de dominação dos franceses não durou muito, uma vez que uma expedição chefiada pelo governador da Capitania, Henrique Luiz Pereira Freire, pôs fim à invasão no ano seguinte.

A titularidade pernambucana sobre o arquipélago permaneceu pacificamente reconhecida por longas décadas, tendo sua situação jurídica assegurada por decreto expedido no ano de 1891 pelo primeiro presidente do Brasil, Marechal Deodoro da Fonseca.

A situação só ganhou novos contornos durante o governo ditatorial de Getúlio Vargas, o qual transformou o arquipélago em território federal no contexto da 2ª Guerra Mundial, alegadamente o fazendo em defesa da segurança nacional. Entretanto, o território não foi devolvido ao seu legítimo titular após o final da guerra.

A bem da justiça, a Constituição Federal de 1988 incorporou a área ao Estado de Pernambuco por meio do art. 15 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).

Nesse ponto, cumpre observar que a escrita do referido artigo foi empregada com merecida cautela quando alude ao vocábulo “reincorporar”. Isto é, não há o que se falar de cessão ou doação do arquipélago diante da existência de um preceito constitucional que compreende o retorno de uma área ao seu legítimo proprietário.

Diante da sucessão de eventos destacados, nota-se que o domínio pernambucano sobre Fernando de Noronha não resulta do mero acaso, mas guarda um profundo elo histórico com o referido estado, tendo este sido responsável pela defesa contra diversas invasões estrangeiras e por manter o arquipélago como orgulho nacional.


Texto: Júlia Gusmão, estagiária em Pires Advogados e Consultores. Revisão: Fernanda Barreto Campello, advogada em Pires Advogados e Consultores.


FONTES:

BRASIL. Decreto n. 1371 de 14 de fevereiro de 1891. Declara que o archipelago de Fernando de Noronha continúa a pertencer ao Estado de Pernambuco. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/norma/392401/publicacao/15722634. Acesso em 13 abr. 2022.

DE AQUINO PESSOA, Gláucia Tomaz. Fernando de Noronha, uma ilha-presídio nos trópicos, 1833-1894. Ministério da Justiça, Arquivo Nacional, 1994. p. 10.



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