Áreas Marinhas Protegidas e a salvaguarda internacional dos oceanos - Direito Ambiental

 


Áreas Marinhas Protegidas e a salvaguarda internacional dos oceanos

 

por Beatriz Crêspo Casado

 

Toda operação humana no mar pode, potencialmente, causar impactos ao meio ambiente, sendo eles incidentais, acidentais ou dolosos. Nesse sentido, quando falamos sobre a navegação, a história mundial, cautelosamente engendrada por convenções, tratados e pelo direito costumeiro, percebeu a necessidade de pouco a pouco restringir o laissez faire, a liberdade indiscriminada das aventuras náuticas, tendo como foco o dever de proteger o meio ambiente marinho. Tal preocupação, iniciada a partir de questões ligadas à soberania dos países, hoje também se abraça à proteção do meio ambiente, inexorável ao direito do mar, o que se manifesta, inclusive, na criação das chamadas Áreas Marinhas Protegidas.

 

As Áreas Marinhas Protegidas são áreas onde há algum tipo de restrição de utilização para a proteção do ambiente marinho, seja por prevenção à poluição, seja para a proteção da biodiversidade marinha. Enquanto a primeira invoca certa restrição à liberdade navegacional em zonas marítimas particularmente sensíveis, a segunda restringe atividades econômicas exploratórias, como a pesca, caso tecnicamente demonstre-se mais adequado. Nesse sentido, existem diversas espécies de áreas marinhas protegidas em cooperação nacional-internacional, as quais,  em celebração ao Dia do Mar, que ocorreu ontem (12 de outubro), apresentaremos.

 

A Convenção de Montego Bay (Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar - CNUDM), que entrou em vigor no Brasil em 16 de novembro de 1994 através do Decreto 1.530, de 22 de junho de 1995, prevê, no art. 211, nº 6, as chamadas Áreas Particulares, nas quais os Estados podem criar e adotar leis e regulamentos restringindo a livre navegação com o intuito de mitigar ou reduzir a poluição proveniente de embarcações, sendo adotadas medidas especiais de navegação, como rotas. Contudo, apesar dessa possibilidade, nenhuma área marinha protegida é criada unilateralmente por um Estado sem que haja a opinião favorável da Organização Marítima Internacional (OMI), visto que a liberdade de navegação é princípio sensível imprescindível às relações diplomáticas no oceano.

 

A CNUDM também prevê, no chamado "artigo ártico", as Áreas Cobertas de Gelo (art. 234), que, com as mudanças climáticas, vêm ganhando espaço e relevância na discussão internacional. Isso porque, com o derretimento das geleiras, a navegação vem se tornando mais intensa em uma área de dificílima governança. Essas áreas, igualmente, também só podem ser criadas em observância às condições de clima especialmente extremas, considerando-se a presença de gelo durante a maior parte do ano, o que potencialmente cria percalços e perigos excepcionais para a navegação. Não há, nessa espécie, a necessidade de autorização da OMI, almejando-se, com a sua criação, a prevenção, redução e controle da poluição proveniente de embarcações, sendo, contudo, vedada a proibição de navegação.

 

Ainda, existem as áreas especiais MARPOL, onde, por motivos técnicos, designados pela OMI perante o Comitê de Proteção do Meio Marinho, determina-se a adoção de métodos obrigatórios (e necessários) para a prevenção da poluição marinha por hidrocarbonetos, substâncias líquidas, lixo, etc. Nessa situação, elevado o grau de especificação do tipo de poluição, medidas singulares são tomadas para melhor atender aos objetivos.

 

Adicionalmente, as Zonas Marinhas Particularmente Sensíveis, também criadas pela OMI após requisição dos Estados, são áreas que exigem proteção especial, em razão de sua vulnerabilidade a danos causados por atividades de transporte marítimo, atendendo a fins ecológicos, sociais, culturais ou científicos/educacionais, havendo a possibilidade de restringir a liberdade de passagem, controlando ou proibindo descargas por embarcações, exigindo-se imposições relacionadas à construção, equipagem, design ou outros quesitos, à monitoração do tráfego marítimo, à medidas de roteamento de embarcações e outras que sejam necessárias para fins de proteção do meio ambiente marinho.

 

Retornando da discussão internacional, o Brasil se comprometeu, na COP 10, com o Plano Estratégico de Biodiversidade, tendo como meta, até 2020 (ano passado), ter pelo menos 17% de áreas terrestres e águas continentais, assim como 10% de áreas marinhas e costeiras delimitadas enquanto de especial importância para a biodiversidade, sendo geridas com medidas especiais de conservação. Com isso, por mais que o Plano tenha timbre de soft law, nosso país, com a criação das Unidades de Conservação de São Pedro e São Paulo e de Trindade e Martins Vaz, fez com que ¼ da amazônia azul brasileira, hoje, seja de áreas marinhas protegidas.

 

Os Estados têm a obrigação de proteger e preservar o ambiente marinho, tomando, separada ou conjuntamente, medidas necessárias para prevenir, reduzir e controlar a poluição do ambiente marinho, qualquer seja a fonte, utilizando, para esse fim, os melhores meios que lhe disponham (art. 192 e 194 da CNUDM). O Brasil apresenta diversas iniciativas de proteção de seu espaço ambiental, contando, para além de seus planos de gerenciamento costeiro, com compromissos internacionais que se consolidam até sua Zona Econômica Exclusiva. O mar, sobre cuja vastidão o regramento internacional (e interno) ainda se apresentam modestos, possui riquezas imprescindíveis à manutenção da higidez global, sendo indispensável cautela, prevenção e atenção às lições que dele se desprendem, sendo a ciência oceânica e sua governança ferramentas importantíssimas para a cooperação e diplomacia econômica sustentável no planeta.

 

BARROS-PLATIAU, Ana Flávia Barros; OLIVEIRA, Carina Costa de. Conservation of Living Resources in Areas Beyond National Jurisdiction: BBNJ and Antarctica.  Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020.

 

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2020.

 

ZANELLA, Tiago V. Direito do Mar: Fundamentos e Conceitos Normativos. Instituto Brasileiro de Direito do Mar, 2021

 

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