Unidades de Conservação da Natureza e Saúde: qual a relação?


Há 20 anos, foi criado o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), marco legal das Unidades de Conservação no Brasil[1], alinhado com as diretrizes internacionais para áreas protegidas. Ele prevê 12 categorias de manejo, ainda desconhecidas de muitos brasileiros, e encontra obstáculos e desafios na sua implementação.
Importa destacar, entretanto, que esta data comemorativa ocorre em meio à pandemia do vírus Sars Cov-2, que vem alcançando índices máximos de contaminação no país, mas despertando na população um anseio de busca pela natureza[2], uma espécie de reconexão com o verde, após meses de isolamento social.
Não é de hoje que os estudos apontam como o contato com a natureza pode ser um elemento de promoção da saúde humana. A sensação de bem-estar causada pela natureza repercute na nossa saúde física e mental, revelando a importância dos espaços verdes em nosso cotidiano, inclusive no meio urbano. Não só o contato físico, mas também a conexão com o meio ambiente natural ganha espaço na dimensão transcendental do indivíduo.
Estudos da Universidade de Chiba e da Escola Médica Nippon, em Tóquio, demonstram que abdicar de alguns momentos para ficar em contato com a natureza, através de uma técnica japonesa chamada “Shinrin-yoku” (banho de floresta), pode diminuir a pressão arterial e a frequência cardíaca, combater sintomas do estresse e fortalecer o sistema imunológico.
Outro estudo da Universidade de Minnesota revela o poder dos “Healing Gardens” (jardins de cura) - espaços verdes em hospitais e centros de saúde que visam melhorias nos resultados dos tratamentos de pacientes, ao promoverem alívio dos sintomas, redução de estresse e melhorias gerais no bem-estar, inclusive dos familiares e das equipes que trabalham nos locais. Ainda, estudo recente do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein aponta como o contato com a natureza, mesmo que por imagens, pode ajudar na melhora do bem-estar de pacientes em tratamento contra o câncer.
Neste contexto, as UCs revelam-se importantes instrumentos, não só de promoção dos serviços ambientais, tal como a preservação da biodiversidade, mas também de promoção de saúde e bem-estar. Após 20 anos de SNUC, as UCs brasileiras chegam a proteger 18% da área continental e 26% da área marinha do Brasil, tendo ainda muito campo para crescer e aprimorar-se, sendo um dos maiores desafios a criação de protocolos para envolvimento da população[3], e a integração entre sociedade civil, setor privado e poder público no manejo das UCs.
No Brasil, ainda é tímido o alinhamento entre as evidências científicas que correlacionem saúde e UCs, ou demais áreas verdes. Em alguns países, esta interdisciplinaridade vem se refletindo, inclusive, na alocação dos recursos públicos. Investir na preservação e conservação do meio ambiente poderá substituir investimentos futuros em saúde pública.
A Austrália, por exemplo, vem investindo na criação de parques, a exemplo do projeto “Healthy Parks Healthy People” (Parques Saudáveis Pessoas Saudáveis), como política de saúde pública. Já Cingapura, tem a meta de 90% das pessoas morando a 400 metros de um parque até 2030. E Lahti, na Finlândia, foi eleita a capital verde da Europa para 2021, onde 99% das pessoas vivem a 300 metros de áreas urbanas verdes.
Considerando as estimativas de que em 2050 mais de 70% da população mundial viverá em cidades, não dá mais para se ter uma visão de futuro sem considerar a importância das UCs como instrumento de promoção da saúde. Podendo esta ser compreendida, ainda, em uma dimensão holística, entendendo o homem como parte integrante de um corpo único (saúde global)[4].
Neste sentido, o vírus Sars Cov-2 traz mais uma camada de complexidade para a realidade das UCs, seja pelos riscos da realocação de recursos da área ambiental para outras pautas, ante a ameaça da recessão econômica[5]; seja pela necessidade de um novo comportamento frente às possíveis futuras zoonoses[6].
Assim, olhando para estes 20 anos de SNUC e para o novo horizonte de desafios que hão de vir, uma das perguntas que se deve fazer é onde iremos posicionar as UCs nas agendas pessoais e públicas, diante deste “novo normal”. Se é fato que algumas reações já se delineiam, como o atual movimento dos indivíduos em busca da natureza, inevitável será, uma hora ou outra, o alinhamento entre as políticas de saúde e as ambientais.

Texto: Daniella Magno, Advogada em Pires Advogados e Consultores.


[1] A Unidade de Conservação é espécie de Área Protegida. Segundo o SNUC, é o espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.
[2] ICMBIO. Visitação em UCs continua a bater recordes. Edição 562, Ano 12, Junho/2020. Disponível em:https://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/comunicacao/downloads/icmbioemfoco562.pdf Acesso em: 18.07.20.
[3] As UCs, dependendo da categoria, podem desenvolver diversas atividades interativas, como visitações, trilhas, ciclotrilhas, corridas, cavalgadas, caminhadas, canoagem, banhos de cachoeira, campismo, pesquisa, observação, dentre outras.
[4] A exemplo da abordagem da EcoHealth Alliance, uma organização não governamental que emprega uma perspectiva ‘One Health’, para proteger a saúde de pessoas, animais e meio ambiente contra doenças infecciosas emergentes.
[5] Há o risco, também, das ações conhecidas como PADDD - Protected Areas downgrading, downsizing and degazettement, ou seja, recategorização, redução e extinção de áreas protegidas – fenômeno que vem ocorrendo em todos os continentes, mesmo antes da pandemia.
[6] METROPOLE. Próxima pandemia pode começar no Brasil se relação com animais não mudar. Disponível em: https://www.metropoles.com/saude/proxima-pandemia-pode-comecar-no-brasil-se-relacao-com-animais-nao-mudar Acesso em: 17.07.20.


Referências:
BRASIL. Lei Federal n. 9.985, de 18 de Julho de 2000. Regulamenta o art. 225, §1º, incisos I, II, III e VII, da Constituição Federal e institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9985.htm Acesso em: 17.07.20.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. 20 anos da Lei das Unidades de Conservação /SNUC (Parte 1). Disponível em: https://www.camara.leg.br/radio/programas/674360-20-anos-da-lei-das-unidades-de-conservacao-snuc-parte-1/ Acesso em: 15.07.20.
ÉPOCA NEGÓCIOS. Natureza beneficia bem-estar e saúde da população, mostra pesquisa. Agência Brasil, 2019. Disponível em: https://epocanegocios.globo.com/Vida/noticia/2019/05/natureza-beneficia-bem-estar-e-saude-da-populacao-mostra-pesquisa.html Acesso em: 15.07.20.
_________. Como Cingapura se transformou no país mais inovador da Ásia. Disponível em: https://epocanegocios.globo.com/Mundo/noticia/2020/01/como-cingapura-se-transformou-no-pais-mais-inovador-da-asia.html Acesso em: 17.07.20.
ICMBIO. Visitação em UCs continua a bater recordes. Edição 562, Ano 12, Junho/2020.  Disponível em: https://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/comunicacao/downloads/icmbioemfoco562.pdf Acesso em: 18.07.20.
IUCN. A Guide to the Healthy Parks Healthy People Approach and Current Practices. Parks Victoria, 2015. Disponível em: https://www.iucn.org/sites/dev/files/content/documents/improving-health-and-well-being-stream-report_0.pdf Acesso em: 16.07.20.
METRÓPOLES. Próxima pandemia pode começar no Brasil se relação com animais não mudar. Disponível em: https://www.metropoles.com/saude/proxima-pandemia-pode-comecar-no-brasil-se-relacao-com-animais-nao-mudar Acesso em: 17.07.20.
PARK, Bum Jin; TSUNETSUGU, Bum Jin; KASETANI, Tamami; KAGAWA Takahide; MIYAZAKI, Miyazaki. The physiological effects of Shinrin-yoku (taking in the forest atmosphere or forest bathing): evidence from field experiments in 24 forests across Japan. US National Library of Medicine, Environ Health Prev Med, 2010. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2793346/. Acesso em: jul. 2019
SCANDINAVIAN WAY. Lahti, na Finlândia, é eleita a Capital Verde da Europa para 2021. Disponível em: https://scandinavianway.com.br/lahti-na-finlandia-e-eleita-a-capital-verde-da-europa-para-2021/ Acesso em: 17.07.20.
UNIVERSITY OF MINNESOTA. What are Healing Gardens? Disponível em: https://www.takingcharge.csh.umn.edu/explore-healing-practices/healing-environment/what-are-healing-gardens Acesso em: 17.07.20.



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