A precificação do carbono
O clima não é estanque, e o clima do planeta tem mudado ao
longo do tempo, a temperatura média global já foi mais baixa e já foi mais alta
num passado remoto, como as evidências geológicas indicam. Porém, atualmente o
que chama a atenção é a velocidade de mudança que se percebe a partir de 1950.
Mudança climática é mais abrangente que aquecimento global.
Enquanto aquecimento global, em linhas gerais, é o aumento da temperatura média
de oceanos e camada de ar próxima à superfície do planeta, mudança climática
envolve temperatura, intensidade das chuvas e eventos climáticos extremos, como
furacões e ondas de calor, predominantemente gerados pela queima de
combustíveis fósseis, responsáveis pela adição de gases retentores de calor à
atmosfera.
O clima do planeta é impactado pela emissão de gases de
efeito estufa, que causam danos reais em escala global, seja pela maior
frequência e intensidade de desastres naturais, como secas e enchentes, seja
pela elevação do nível dos oceanos. São, no entanto, danos a longo prazo, não
imediatos, e ainda de difícil mensuração e individualização.
Quando as mudanças climáticas forem palpáveis, perceptíveis
“a olho nu”, será que ainda haverá tempo parar sanar os prejuízos?
Hoje alguns líderes mundiais já lidam em seus territórios
com a delicada e extremamente complexa questão de grandes números de
refugiados, que abandonam áreas de guerra ou regimes governamentais. Imagine
quando se somarem a esses os refugiados do clima, escapando de áreas que se
tornaram inabitáveis de tão inóspitas.
A questão chave em relação à migração para uma sociedade
pós-carbono é como compatibilizar o cumprimento de metas e objetivos climáticos
com o desenvolvimento socioeconômico.
Na teoria, jurídica, não há conflito e é a Constituição que
nos dá essa resposta, no Art. 219:
“Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e
será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e
socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos
termos de lei federal. ”
É possível que os custos provocados pelos impactos das
emissões de carbono na atmosfera sejam absorvidos pelas empresas emissoras de
forma a financiar a transição para uma nova economia de baixo carbono?
Juridicamente sim, e essa possibilidade também tem assento constitucional, no
inciso IV do Art. 170:
“ Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização
do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios:
(...)
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento
diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus
processos de elaboração e prestação; ”
A resposta prática para essa pergunta passa pela capacidade
de modificar e descarbonizar a economia, minimizar o impacto sobre o clima e,
com isso, efetivamente influenciar no desenvolvimento sustentável dos países.
Entre as alternativas regulatórias da emissão de gases de
efeito estufa, as mais conhecidas se enquadram nas categorias de instrumentos
abaixo:
- Instrumentos econômicos: tributação sobre emissões,
sistemas de comércio de emissões de carbono ou certificados de baixa emissão,
mecanismos de compensação, concessão ou retirada de subsídios e tarifas
preferenciais e financiamento a projetos de baixa emissão;
- Pesquisa e desenvolvimento: de novas tecnologias,
processos e materiais;
- Comando e controle: estabelecimento de padrões
tecnológicos e de controle além de coerção para contenção das emissões;
- Certificações e selos de qualidade e abordagem voluntária:
protocolos e acordos setoriais para baixa emissão e/ou compensação entre
emissores; e
- Educação: produção e distribuição de cartilhas, guias,
programas de qualificação técnica.
Ainda, é importante falar da precificação de carbono, que
ocorre quando os custos sociais gerados pelas emissões são internalizados nos
custos de produção, através do estabelecimento de um valor para a tonelada de
CO2 emitida.
Existem duas formas de cobrar esse valor por tonelada de CO2
emitida, com a finalidade de redução dessas emissões, e ambas afetam os preços
relativos e geram incentivos para mudança de comportamento na produção e
consumo de bens intensivos em carbono:
- Tributo sobre emissões (Carbon Tax), que é um instrumento
baseado em preço, no qual o governo define o valor do imposto que será cobrado
por tonelada de carbono emitida e deixa que a agência reguladora estabeleça a
quantidade permitida de emissão.
- Sistema de Comércio de Emissões - SCE (Cap-and-trade), que
é um instrumento baseado em quantidade, no qual a agência reguladora define
quantidade limite de emissões por fonte (cap), e são criadas permissões de
emissão que podem ser comercializadas pelas empresas e emissores de CO2,
criando assim incentivo para reduzir emissões. Neste caso, o que se define é a
quantidade total de emissões, enquanto o preço se ajusta no mercado.
- Existem ainda instrumentos híbridos, que combinam aspectos
de SCE com tributação.
A precificação pode orientar investimentos a projetos e
tecnologias com menos emissões de carbono e trazer incentivos para a inovação
tecnológica. Como desdobramento, pode propiciar ainda o direcionamento de
demandas de consumidores para produtos menos intensivos em emissões.
Cinquenta e uma jurisdições nacionais e subnacionais já
adotaram a precificação de carbono, incluindo alguns dos principais parceiros
comerciais econômicos do Brasil. Destas jurisdições, 25 têm abordagens de
mercado e 26 têm abordagens fiscais. No total, as duas formas de precificação
cobrem 20% das emissões globais, com um valor anual de US$ 82 bilhões - uma
quantia que ressalta a importância da reciclagem desses recursos dentro do
setor (CEBDS,2018).
No âmbito nacional o Projeto PMR* Brasil tem por objetivo
discutir a conveniência e oportunidade da inclusão da precificação de emissões
(via imposto e/ou mercado de carbono) no pacote de instrumentos voltados à
implementação da Política Nacional sobre Mudança do Clima -PNMC no pós-2020.
O Projeto PMR Brasil pretende avaliar diferentes opções de
instrumentos: (i) a regulação de preços, via imposto sobre emissões; (ii) a
regulação de quantidades, via adoção de um sistema de comércio de emissões ou
mercado de carbono; (iii) a combinação dos dois instrumentos com foco em
diferentes setores. As análises se concentram nos seguintes setores: energia
(geração elétrica e combustíveis); os sete subsetores do Plano Setorial de
Mitigação e Adaptação na Indústria de Transformação (quais sejam, siderurgia,
cimento, alumínio, química, cal, vidro e papel e celulose); e na agropecuária.
Nesse sentido, o assunto tem sido discutido com outros
atores sensíveis ao mercado de carbono. Alguns fóruns de discussão envolvem a
sociedade civil, por exemplo através de webinar que discutiu as alternativas de
precificação de carbono em junho de 2020, contou com a participação virtual de
PMR Projeto, Iniciativa Empresarial em Clima – IEC, Conselho Empresarial
Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável – CEBDS, FGV, ONU – Rede Brasil e
Instituto Ethos, e foi, virtualmente, aberta ao público. Os temas da discussão
do próximo webinar, ainda sem data, serão os elementos de desenho para
implementação da precificação de carbono: alternativas e trade-offs, escopo
setorial, reciclagem de receitas, proteção à competitividade, ponto de
regulação e escolha de instrumento. Acompanhe nas redes sociais dos
participantes.
Texto: Ana Castro, Advogada em Pires Advogados e Consultores
Fontes:
CEBDS. Precificação de Carbono na Indústria Brasileira.
2018. Disponível em http://creativecommons.org/licenses/by/3.0/igo.
Projeto PMR Brasil, IEC, CEBDS. Introdução a Precificação de
Carbono. Webinar, Jun, 2020.
Ministério da Fazenda. Projeto PMR Brasil. Disponível em http://www.fazenda.gov.br/orgaos/spe/pmr-brasil
* Partnership for Market Readiness (PMR) é uma iniciativa do Banco Mundial, que no Brasil é liderada pela Coordenação Geral de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas do Ministério da Fazenda (MF)
* Partnership for Market Readiness (PMR) é uma iniciativa do Banco Mundial, que no Brasil é liderada pela Coordenação Geral de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas do Ministério da Fazenda (MF)
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