Nos idos de 1986 criamos a divisão de Direito Ambiental na Pires Advogados e, naquele ano, iniciamos nosso primeiro EIA/RIMA – Estudo e Relatório de Impacto Ambiental. Era tudo novidade, mas eu havia retornado de uma pós-graduação nos Estados Unidos, doutorado em direito ambiental, e o Brasil havia acabado de regulamentar a elaboração das avaliações de impactos ambientais através da Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA n. 001/1986. Foi um misto de acaso e oportunidade.



O começo disto ocorreu alguns anos antes. Eu pretendia ser engenheiro e cursava o científico no Colégio Marista, pois afinal já havia entre os irmãos, uma advogada e um médico, sem falar que na década de 1970 acontecia o milagre brasileiro, época em que todos queriam ser engenheiros. Mas, com 16 anos, decidi ser intercambista nos Estados Unidos e passei um ano na Califórnia. Participei no Saint Mary’s High School de duas atividades extracurriculares que foram marcantes para a minha carreira atual: “Debate Team” e “Model United Nations”.



1970 foi o “ano do meio ambiente” naquele país, quando entrou em vigor a Lei Nacional de Política Ambiental (the National Environmental Policy Act of 1969) e o tema para os debates em todas as escolas secundárias era a competência federativa ambiental: “Quem deveria proteger o meio ambiente? Os Estados ou a União?” O livro Primavera Silenciosa (Silent Spring), de Rachel Carson, acabara de ser lançado nos anos 60 e, com ele, teve início o movimento ambientalista moderno. A descoberta de que os pesticidas (DDT) eram bioacumulativos ao longo da cadeia alimentar até os seres humanos, a acidificação das florestas e dos corpos d’água, a poluição atmosférica, os desastres da indústria petroleira e tantos outros fatos que marcaram aquela época culminaram com um clamor generalizado para intervenção governamental em prol do meio ambiente. 



Foi um aprendizado ímpar. Igualável, apenas, à experiência das Nações Unidas Modelo, em que fomos treinados sobre os meandros da ONU e das relações internacionais e, ao final, cada escola enviava seu “corpo diplomático” para representar um país designado numa simulação de negociações na Assembléia Geral e no Conselho de Segurança, numa época em que o mundo fervilhava com as tensões da Guerra Fria, em plena guerra do Vietnam, conflitos no Oriente Médio, expansão comunista na Ásia e na África, a cisão de Taiwan com a China, o medo do apocalipse nuclear... Nesse contexto, representei Zâmbia no Conselho de Segurança. A semente havia sido plantada: ambiental e internacional.



O bacharelado em direito na volta ao Recife foi o tradicional, assim como os primeiros anos da prática da advocacia civil e trabalhista, interrompida pela oportunidade de voltar aos Estados Unidos para fazer pós-graduação, como bolsista da Fulbright em 1980, no programa de mestrado em direito comparado da Universidade de Tulane, em Nova Orleans, seguido em 1981, por um segundo mestrado em direito internacional do mar, na Universidade da Virginia, como bolsista do Rotary e, finalmente, um doutorado em direito ambiental na mesma faculdade de direito da Virginia, fundada por Thomas Jefferson, como bolsista da Humphrey Foundation. Ao estudar direito comparado obtive o conhecimento da diversidade sistêmica das famílias jurídicas e da interdisciplinaridade dos diversos ramos do direito, com o direito do mar e ambiental, a necessária multidisciplinaridade na abordagem das questões ambientais. Na ONU, durante as negociações da “Lei do Mar”, acompanhei durante um período a delegação brasileira, que era assessorada pelo renomado professor Rangel Moreira, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.



Novamente, o acaso e a oportunidade bateram à porta. O Instituto Oceanográfico de Woods Hole, o maior centro de pesquisa oceanográfica dos Estados Unidos, um “think tank”, localizado em Cape Cod, Massachusetts, preocupado com o regramento da Convenção Internacional de Jamaica sobre o Direito do Mar de 1982 e as restrições dela advindas que poderiam impactar a pesquisa oceânica, decidiu formar um grupo multidisciplinar das ciências sociais (arqueologia, antropologia, sociologia, advocacia, economia etc.) para analisarem, junto com os seus cientistas naturais (biólogos, oceanógrafos, geólogos etc.), as mudanças políticas e jurídicas que estavam ocorrendo e suas respectivas conseqüências para o futuro da ciência. Estava criado o “Marine Policy and Ocean Management Program”, mais tarde transformado em Centro de Política Marinha e Gestão Oceânica, no qual participei desde o seu início em 1982 até 1985. As atividades eram múltiplas e sempre multidisciplinares, desde a publicação de artigos e livros, participação em seminários e congressos até a consultoria internacional através de acordos multilaterais. Assim, trabalhamos no zoneamento costeiro da Colômbia, no planejamento da exploração de petróleo e gás no Golfo de Guaiaquil, Equador, assim como na criação do parque marítimo e estrutura político-administrativa arquipelágica das Ilhas Galápagos.



Antes de voltar ao Brasil, em 1986, antes da conclusão do doutorado na Faculdade de Direito da Vírginia sobre responsabilidade civil e compensações ambientais por derrame de petróleo, participei da elaboração da Lei Nacional de Política Ambiental da Bolívia, e no Brasil, palestrei em seminários internacionais, a convite do emérito jurista ambientalista, precursor do direito ambiental no Brasil, professor Paulo Affonso Leme Machado. Em Brasília, conheci o Dr. Paulo Nogueira Netto, então secretário da SEMA – Secretaria Especial do Meio Ambiente, posteriormente transformada em IBAMA, o atual Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis. 



Se, por um lado, o professor Paulo Affonso Leme Machado participava da elaboração de leis ambientais e disseminava as bases doutrinárias do Direito Ambiental Brasileiro, o Dr. Paulo Nogueira Netto incentivava a implantação, em todos os estados da nossa federação, de órgãos ambientais estaduais para, como ele me disse numa certa ocasião, quando a necessária conscientização política e social chegar, as bases estarem preparadas para aplicar a lei. Ele estava, na realidade, estruturando o SISNAMA – Sistema Nacional de Meio Ambiente, conforme previsto da Lei n. 6.938/81, que dispôs sobre a Política Nacional de Meio Ambiente. Não havia, naquela ocasião, condições para se autuar e embargar as grandes indústrias, uma vez que legislação específica estabelecia que as atividades de siderurgia, mineração, energia, petróleo etc. somente poderiam ser embargadas por ato da Presidência da República.



Em 1986, cinco anos depois da lei federal, a avaliação de impactos ambientais dos empreendimentos e atividades potencialmente poluidoras foi regulamentada por Resolução do CONAMA, como acima mencionado. Em Pernambuco a CPRH – Companhia Pernambucana de Recursos Hídricos, hoje Agência Estadual do Meio Ambiente, já havia sido criada e a lei estadual estabelecia o procedimento para o licenciamento ambiental das empresas. Neste mesmo ano, no governo de Gustavo Krause, uma série de leis ambientais foram sancionadas visando a proteção da orla, das zonas estuarinas, dos mananciais e a criação de 40 (quarenta) reservas ecológicas na área metropolitana do Recife.



Apesar disto, ao visitar as faculdades de direito existentes na época, não encontrei qualquer receptividade ou interesse na inserção curricular da disciplina de Direito Ambiental. O engajamento no movimento ambientalista foi natural, o qual, apesar de desarticulado e informal, era bastante atuante. O primeiro passo foi a formalização institucional das entidades com o registro de associações e eleição de dirigentes, para, em seguida, embasar suas atuações no conhecimento científico de forma responsável e criteriosa. Inúmeros seminários foram realizados naquela ocasião, muitos deles grandiosos, com centenas ou milhares de participantes, à medida que aumentava o interesse estudantil e profissional sobre as questões ambientais. 



O Brasil vivia a euforia do final do regime militar com as discussões na Assembléia Constituinte, que resultaram na Constituição Cidadã de 1988. Não havia mercado nem para o ensino nem para a advocacia ambiental. Mas, isto seria uma questão de tempo. Por um breve período, cerca de 3 anos, no início da década de 1990, ensinei a disciplina de Direito Ambiental na  ESMAPE – Escola da Magistratura de Pernambuco, logo interrompida pela demanda de serviços e pelas viagens a trabalho no exterior.



Novamente, o acaso e a oportunidade nos levaram a ser procurados para a coordenação e elaboração do primeiro EIA/RIMA em Pernambuco, para analisar um projeto imobiliário que havia sido afetado pela inclusão parcial da área como reserva ecológica pela lei do ex-governador Gustavo Krause. A nossa primeira equipe multidisciplinar foi montada a partir de integrantes do movimento ambientalista e, concomitantemente, do quadro de docentes universitários. Abria-se um novo mercado de trabalho para biólogos, geólogos, geógrafos, sociólogos, engenheiros, economistas e advogados: a consultoria ambiental. Ainda não havia qualquer demanda naquela época para a assessoria empresarial e a advocacia contenciosa, o que somente ocorreu quase uma década depois com o advento da lei de crimes ambientais.



A participação de um escritório de advocacia em licitações públicas para a elaboração de estudos dos impactos ambientais de projetos de engenharia, na coordenação de equipe multidisciplinar constituída de vários profissionais, inclusive engenheiros, suscitou questionamento por parte do CREA – Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura, o qual inclusive chegou a autuar a Pires Advogados. O assunto foi levado à apreciação do Conselho Seccional de Pernambuco da Ordem dos Advogados do Brasil, sob a relatoria do então conselheiro Paulo Siqueira que, pela primeira vez, se debruçou sobre questões ambientais, para concluir, juntamente com os demais pares, que os estudos ambientais, pela sua própria natureza interdisciplinar e multidisciplinar, não seriam exclusivos de uma única classe profissional. Acrescentou, ainda, que em virtude da complexidade da legislação ambiental que norteia esses estudos, eles não apenas poderiam, como até deveriam ser conduzidos por advogados. Da mesma sorte, a nossa defesa perante os conselheiros do CREA resultou no arquivamento da autuação recebida. Estava garantida a atuação dos escritórios de advocacia e de advogados, não apenas como pareceristas, mas também na prestação dos demais serviços ambientais, na coordenação das avaliações de impactos ambientais e na condução do licenciamento ambiental. A OAB/PE, inclusive, permite o registro das declarações de capacidade técnica dos estudos realizados e fornece certidões para advogados e escritórios de advocacia para participação licitatória, à semelhança de uma ART – Anotação de Responsabilidade Técnica do CREA.



Veio a Rio 92 – a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano. A nossa participação ativa nos trabalhos preparatórios em reuniões, debates, seminários e congressos nos dois anos que a antecederam e, em seguida, as palestras realizadas em eventos do próprio encontro internacional no Rio de Janeiro tiveram ampla divulgação na imprensa local. Curiosamente, a partir dessa época, a Pires Advogados, escritório de tradição civilista, passou a ser referência “ambientalista”. Apesar de termos, propositadamente, patrocinado inúmeros cursos e congressos ao longo da década de 1990 em direito civil, processual civil, empresarial, trabalhista, entre outros, e apesar do escritório atuar nessas áreas até hoje, a percepção pública é de que somos, exclusivamente, ambientalistas.



 A consultoria internacional na África veio da participação em um painel multidisciplinar que ocorreu na Faculdade de Direito do Recife, em que debatemos questões jurídicas e econômicas relativas à Rio 92. O economista americano que havia participado comigo do debate, pouco tempo depois, indicou meu nome para participar de uma missão na Guiné-Bissau, em um programa de cooperação internacional da USAID, a agência internacional para o desenvolvimento dos Estados Unidos. Novamente, o acaso e a oportunidade. O Departamento de Estado americano estava procurando um advogado brasileiro, fluente em inglês e que tivesse conhecimento do sistema jurídico americano de direito comum para esclarecer as diferenças da estrutura jurídica vigente em Bissau, ex-colônia portuguesa, onde o regime jurídico era civilista, com influência do direito socialista, dos anos em que aquele país ficou sob a influência soviética, mas que, em grande parte, funcionava de acordo com o direito consuetudinário africano. Os desafios eram tremendos para fazer funcionar um pequeno país, naquela época com cerca de um milhão de habitantes, 32 (trinta e duas) etnias, o crioulo como língua franca, mais de 20 (vinte) dialetos, cercado por países de língua francesa, com língua oficial portuguesa, que somente era falada por 10% da população.



Outras missões à África se sucederam entre 1990 e 2010: Guiné Bissau, Costa do Marfim, Benin, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Moçambique, Quênia e Angola, nos quais participei, principalmente, na elaboração de legislação e regulamentação ambiental de vários deles, representando na maioria das vezes organismos das Nações Unidas, a exemplo do Banco Mundial, da FAO – Organização para Alimentação e Agricultura e do PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Para este último, ministrei o primeiro curso de meio ambiente em português, para países africanos lusófonos, com base no direito brasileiro e comparado. 



Nunca cheguei a ir ao Timor do Leste, na Ásia, pois a guerra civil eclodiu na véspera da minha partida. Ouvi na CBN logo cedo. A missão foi abortada. Sempre me pergunto como teria sido se os conflitos tivessem ocorrido um pouco depois..., quando eu já estivesse lá.



As quase quarenta missões internacionais ao longo dos últimos 20 (vinte) anos tiveram seus desafios e curiosidades. Uma delas foi uma conversa com o Ministro da Agricultura e do Ambiente de Moçambique, na época em que participava da elaboração da Lei das Florestas e da Fauna Bravia daquele país. Ao ouvir minha explicação sobre as APPs – Áreas de Preservação Permanente no Brasil, restrição que impede o aproveitamento das margens dos rios e dos corpos d’água, ele imediatamente rejeitou a idéia para que esse instituto fosse introduzido no seu país, uma vez que isto impediria os agricultores de utilizarem exatamente as áreas mais férteis, onde produzem arroz e alimentos para a segurança alimentar da população. Disse, ainda, que se assim procedesse mataria o povo de fome, ou melhor, acrescentou, em vez de morrer de fome, o povo o mataria primeiro. Nem o conceito de APP, nem o de Reserva Legal, prosperaram em Moçambique.



No Brasil, nas últimas duas décadas, a partir de uma maior conscientização ambiental da população, estruturação legal e institucional e, acima de tudo, o desenvolvimento do país, especialmente no nosso Estado de Pernambuco, a prática do direito ambiental tem crescido vertiginosamente. A realidade é que a demanda por serviços ambientais em geral, inclusive os jurídicos, é diretamente proporcional aos investimentos empresariais. Em uma economia estagnada, sem maiores atividades econômicas, o mercado para os profissionais dessa área inexiste ou é desprezível. Em outras palavras, faz-se necessária a transformação do ambiente e dos recursos naturais com atividades desenvolvimentistas para que haja demanda para a assessoria, a consultoria e a advocacia ambiental, uma vez que a legislação ambiental, hoje, permeia todas as atividades humanas sem exceção, destacando-se o instrumento do licenciamento ambiental, cada vez mais complexo e abrangente.



Nenhum empreendedor sério ousaria arriscar seu investimento sem uma auditoria ambiental ou um estudo prévio de viabilidade ambiental, e uma orientação jurídica quanto à legislação e regulamentação ambiental incidente sobre a atividade pretendida e a área em que se pretende estabelecer. Isto nos três níveis, o municipal, o estadual e o federal, em face da competência concorrente das leis ambientais e da competência comum das agências licenciadoras e fiscalizadoras, que vêm, cada vez mais, se capacitando para o exercício da sua missão.



O SISNAMA – Sistema Nacional de Meio Ambiente preconizado anos atrás pelo Secretário de Meio Ambiente, Dr. Paulo Nogueira Netto, é hoje uma realidade e, além da diversidade de órgãos que compõem e participam ativamente em assuntos relacionados ao meio ambiente, os órgãos ministeriais, tanto o Ministério Público Federal quanto o Ministério Público Estadual se capacitaram em todo o país, e têm fiscalizado, investigado e proposto ações civis públicas para a prevenção e compensação de danos ambientais, e a proteção do meio ambiente em geral.



A realidade é que o mercado de trabalho para os profissionais do direito tornou-se uma realidade, quer seja para o ensino do direito ambiental que seja para a consultoria, a advocacia, ou para o ingresso no serviço público, como delegado, procurador municipal, estadual, federal e procurador da república, magistratura, entre outros.



No entanto, por ser uma área nova, seus conceitos e institutos ainda não estão bem sedimentados pelos diversos operadores do direito, sem falar que, pelo seu caráter multidisciplinar, uma parte considerável da regulamentação vem sendo elaborada por leigos, profissionais de outras áreas que desconhecem princípios básicos do direito, tais como: hierarquia das normas, temporalidade na aplicação da lei e garantias constitucionais. É comum, em fóruns de discussões ambientais, afirmarem que uma determinada resolução de um órgão alterou a lei... Ou, de que uma determinada lei retroage para atingir situações consolidadas há décadas e séculos, atos jurídicos perfeitos e acabados de conformidade com a legislação da época.



Mais ainda, a confusão entre dano (resultado da prática de um ato ilícito) e impacto ambiental (resultado da prática de um ato devidamente licenciado) é comum, assim como confundir o princípio universal de que “não há direito adquirido de POLUIR” com o argumento de que “não há direito adquirido quanto ao meio ambiente...”



A insegurança jurídica é uma constante no Direito Ambiental e apresenta um grande desafio para os operadores do direito, assim como um pesadelo para os empresários. Quem quiser se especializar nessa área deverá estar preparado para trabalhar de forma interdisciplinar e multidisciplinar. O direito ambiental exige bom conhecimento de constitucional, administrativo, processual, penal, entre outros. Mas, exige ainda que tenha, no mínimo, noções básicas das ciências sociais, com destaque para a biologia, e das ciências exatas, em face da constante interface com arquitetos e engenheiros.



As questões ambientais não estão livres de ideologia. Deve-se estar preparado para separar o que é ideologia e o que é conhecimento científico. Costuma-se equiparar, popularmente, um ambientalista com uma melancia, verde por fora e vermelho por dentro. Existem ambos. Há verdadeiros ambientalistas e há os que se utilizam do ambientalismo para por em prática suas crenças e práticas anti-empresariais e anti-propriedade privada. Isto porque a legislação ambiental, mais do que qualquer outra, permeia de tal forma as atividades humanas em prol do não muito bem delineado princípio da sustentabilidade, que pode resultar em verdadeira intervenção estatal na propriedade e nos empreendimentos privados.



O fato é que o legislador pátrio tem, frequentemente, criado normas em branco e, assim, conferido poder demasiado ao aplicador da lei para interpretá-la de acordo com a sua competência ou conveniência, gerando insegurança nas relações do jurisdicionado com o Estado. Sem falar que uma parte significativa da regulamentação ambiental não é feita por decreto, mas por meio de resoluções de órgãos colegiados do executivo federal, estadual e municipal, sem falar em normas internas das agências ambientais. Na prática, uma resolução do CONAMA tem mais força nas agências de meio ambiente do que uma Lei Federal. E, da mesma forma, são encaradas as Portarias e Instruções Normativas da administração pública, que frequentemente conflitam com princípios e garantias constitucionais.



Por outro lado, o Judiciário não se encontra, neste momento, preparado para analisar as ações ambientais, a uma porque não detêm, na sua grande maioria, do necessário conhecimento multidisciplinar e, a duas, com a sobrecarga de trabalho, não consegue analisar os volumosos processos ambientais, acompanhados de perícias, inquéritos ministeriais e/ou policiais, estudos de impacto, procedimentos licenciatórios, etc. Tudo isto propicia que ocorram análises equivocadas e resultados injustos, por simplesmente desconhecer as etapas e os procedimentos de implantação de projetos e não possuir um mínimo de conhecimento científico para poder separar o joio do trigo nos estudos ambientais e nas perícias judiciais. Por isso, é comum que a mesma turma de um mesmo tribunal julgue de maneira oposta ações materialmente idênticas e até ações conexas de um mesmo caso. Talvez seja imperioso, a exemplo de algumas poucas experiências em outros países, serem criadas varas especializadas para o trato das questões ambientais. 



A complexidade da normatização ambiental hoje abre um leque de oportunidades aos advogados. Isto já se percebe pela demanda de estágio nessa área. Tanto na área pública quanto privada, tanto em matéria administrativa e civil quanto criminal. Na nossa prática profissional, temos testemunhado a crescente procura por serviços de consultoria, normalmente representada por pareceres, auditorias e estudos ambientais, onde o cliente espera entender melhor a legislação incidente sobre sua atividade ou empreendimento, ou pretende prevenir sua responsabilidade na aquisição de projetos.



De igual forma, em face da frequente alteração da legislação ambiental e da complexidade da sua aplicação nos vários níveis da estrutura federativa brasileira, a assessoria ambiental tem sido bastante requisitada para o licenciamento, implantação e operação dos empreendimentos.



Além disto, o contencioso ambiental, tanto administrativo quanto judicial, tem crescido significativamente ao longo da última década, devido a uma combinação entre a melhor capacitação dos órgãos responsáveis pela fiscalização, maior atuação do Ministério Público, denúncias da população e a complexidade jurídica ambiental.



O fato é que as questões ambientais em geral e o Direito Ambiental, em particular, estão em evidência, ocupam grande espaço na mídia e preocupam a todos, como se pode observar com as discussões recentes relativas a mudanças climáticas, transgênicos e o novo Código Florestal. Os desafios e as oportunidades são, por consequência, imensos e abrangentes, mas, acima de tudo, gratificantes para o(a) advogado(a), pessoalmente, pois possibilita que ele(a), conforme sua escolha, faça uma diferença em nosso futuro comum.



Relato de Dr. Ivon Pires Filho para o livro Retrato da Advocacia Pernambucana.

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